"O meu cão tem 37 quilos, compara lá com os meus 51. Quem é que achas que passeia quem?" Disse ela a ele referindo-se aos passeios diários que dava de manhã com o seu cão. De pé, imunes aos olhares dos restantes passageiros à sua volta, ele e ela continuaram a sua conversa. Ela continuou a relatar os debates com o seu cão, qual monstro. Ele perdia-se em pensamentos nos olhos escuros dela, por alguma razão os 51 quilos ficaram-lhe a moer. “Já perdi a conta às coisas que ele me estraga lá em casa, já nem sei quantas camas lhe comprei …” Continuou ela.
Como uma lâmpada que se acende, ele percebeu porque os 51 quilos lhe ficaram a moer e não conseguiu evitar um sorriso. Vendo este sorriso fora de contexto ela estranhou um pouco e parou de falar. Ele olhou à sua volta, quase ninguém estava a prestar atenção, um ou outro passageiro viram o olhar como que a disfarçar algum interesse. Ele chega-se a ela e segreda-lhe ao ouvido “51 quilos? Dás-me vontade de puxar-te para mim, agarrar-te nesse rabo, levantar-te, e entrar assim dentro de ti, com as tuas pernas à volta da minha cintura.” Ela não se desmanchou, corou quase impercetivelmente e continuou a conversa como se nada fosse. “Sabes lá, aquele monstrinho é uma renda ..”. Chegada a paragem dela, ela deixa-se para o fim, chega-se a ele e ao segundo beijo de despedida, segreda-lhe “Da maneira como me deixas, não entras, deslizas todo de uma vez para dentro de mim.” E saiu, sem olhar para trás. Ele ficou-se uns instantes a vê-la perder-se na multidão, até que a porta se fecha e ele procura um banco livre para se sentar. O resto da viagem é passado no seu imaginário, cá pra fora apenas o olhar que se perde no infinito e um sorriso parvo no rosto vislumbram o que se passa lá dentro.